O dia amanheceu muito bonito hoje e por um momento pensei que a vida iria cobrar ingresso… Depois me dei conta que as belezas da vida são assim, simples e gratuitas, basta continuarmos vivos para senti-las.
Olhando essa manhã tão bonita me lembrei como vivi esse último ano e confesso que errei feio em minhas previsões sobre quanto tempo permaneceríamos em isolamento social, afastados de nossas vidas cotidianas.
Noto que inventamos um novo cotidiano, caracterizado pela distância física e pela presença social, via internet. Uma nova rotina que tem as marcas do medo do contágio e a esperança da vacina.
Percebo que, aos poucos, aniversários estão voltando a ser comemorados, mesmo a distância, familiares se visitam e reúnem via aplicativos de telefone, pais e filhos, netos e avós se reencontram do modo possível. Um certo risco “controlado” vai sendo assumido aqui e ali por pessoas responsáveis, mas que vão chegando ao limite do quanto podem aguentar mais um ano de completo isolamento, sem sucumbirem a ansiedade ou depressão.
Trata-se, sem dúvida da maior crise sanitária e humanitária do século XXI e será necessário ter tantos cuidados no pós-pandemia como temos cuidado agora ao usar máscaras e álcool gel.
Sem abusar de jogos de palavras, mas inevitável dizer que vamos precisar mudar radicalmente de máscara quando pudermos sair de casa novamente. Espero que o tecido das máscaras que nos protegem do vírus, seja trocado pela reconstrução do tecido social e que o álcool gel seja substituído pela cerveja dos amigos e o vinho dos amantes. Que isso aconteça sem as marcas da positividade tóxica que se lê aqui e ali em frases como “o vírus nos ensinou isso…” ou “graças a pandemia aprendemos aquilo…”. Perdemos muitas pessoas amadas e será melhor aceitar e elaborar o luto, sem querer fazer dessa vivência trágica uma coisa boa só para nos mantermos em negação.
Percebo o quanto o cinema é impreciso ao mostrar mundos pós apocalípticos como aqueles em que as pessoas vão saindo dos esconderijos, percebendo que tudo está bem, seguro e que o perigo que as afligia passou. Que as pessoas vão, aos poucos, se reaproximando, abraçando e reiniciando suas vidas. Não me parece que será isso que acontecerá após a pandemia de COVID 19.
Haverá reflexos em nossas crianças e jovens por meses, talvez anos. As necessidades de vínculo seguro, autonomia, limites realistas, espontaneidade/lazer e de expressão e validação das emoções sofreram um duro golpe e dificilmente foram supridas de forma adequada e suficiente durante esse ano de isolamento.
A falta de ambientes de socialização como as escolas e o estresse do isolamento deixarão marcas difíceis de mensurar agora. Será preciso estar atento as pessoas após a pandemia porque muitas vão sofrer em silencio e talvez só conheçamos esse sofrimento tarde demais. Será preciso cuidar de si e dos outros, fortalecendo laços de amizade e senso de comunidade.
Se olharmos para a história vamos perceber que após grandes tragédias da humanidade a vida fez seus movimentos e floriu, como depois da segunda guerra mundial em que tivemos um aumento na taxa de natalidade, com a chamada geração “baby boomer” e após tantas mortes viveu-se um período de expansão da vida.
O período pós guerra exigiu trabalho, seja através do esforço internacional na busca de uma “educação para a paz”, seja no estabelecimento dos direitos humanos, visando colocar limites para a barbárie que as pessoas podem cometer umas contra as outras. Graças a esses esforços não voltamos a viver outra guerra mundial. Essa é uma lição a ser seguida, saber que a maior parte do trabalho virá depois da vacina.
Haverá muito trabalho e fazer, por isso deixo um convite a todos: que não descuidemos dos nossos e que possamos assumir a tarefa de reconstruir nossas relações sociais, zelando para que cada um seja cuidado e respeitado de acordo com suas necessidades físicas e emocionais. A solidariedade ainda é nossa melhor chance de superarmos essa crise.
*Por: Sérgio Domingues, Psicólogo, Professor e Coordenador do Núcleo de Apoio Psicopedagógico – NAP do Centro Universitário de Viçosa – UNIVIÇOSA.
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