Por Liz Valente

— Ítalo Calvino
“Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe.”
— Ítalo Calvino
No encerramento do primeiro semestre de 2025, os estudantes do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Univiçosa realizaram uma exposição surpreendente: esculturas inspiradas na obra As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino. A mostra foi resultado do trabalho final da disciplina ARQ103 – Plástica, sob orientação da professora Liz Valente, e transformou o espaço universitário em um laboratório criativo de releituras poéticas e críticas sobre o espaço urbano. A proposta do exercício era instigante: reinterpretar artisticamente um dos contos da obra de Calvino e transformá-lo em uma escultura tridimensional, com dimensões aproximadas de 50x50x50 cm. A metodologia de releitura artística foi adotada como ferramenta pedagógica para desenvolver a criatividade, a sensibilidade estética e o pensamento crítico dos estudantes. Cada grupo teve a responsabilidade de produzir
uma escultura que expressasse de forma material e sensível as camadas simbólicas do conto escolhido.
Os resultados foram ricos em diversidade e profundidade conceitual. As esculturas revelaram o engajamento sensível e a criatividade dos estudantes ao traduzirem as cidades de Calvino em formas tridimensionais. Fedora foi representada como uma coleção de futuros suspensos — uma crítica à utopia que nunca se concretiza. Otávia, sustentada por fios sobre um abismo, tornou-se metáfora da instabilidade da vida urbana. Em Isaura, os alunos evidenciaram a tensão entre aparência e ocultamento,
explorando a cidade construída sobre veios subterrâneos. Leônia, por sua vez, foi interpretada como um retrato contundente do consumismo contemporâneo, onde o excesso de descartes revela uma sociedade que produz lixo tão rapidamente quanto consome. E Eutrópia apareceu como cidade das trocas e ciclos, onde a mudança constante esconde a permanência do essencial.
Cada uma dessas esculturas ecoa uma leitura sensível e crítica do texto original, materializando com cores, texturas e formas aquilo que a literatura apenas sugeria. O uso de materiais variados, a preocupação com o acabamento e a coerência conceitual foram critérios centrais da avaliação.
Os estudantes seguiram esse espírito de liberdade ao dar forma ao invisível e ao expressar, por meio da arte, reflexões profundas sobre a cidade, o tempo e a sociedade. As esculturas, mais do que exercícios acadêmicos, foram interpretações carregadas de sentido, questionamento e imaginação.
Parabéns aos envolvidos! Que a experiência de dar corpo às cidades invisíveis continue inspirando novos olhares sobre o que é, afinal, a cidade que habitamos — ou que deixamos de habitar.

“Fedora, possibilidades suspensas no tempo, intocadas, como relíquias de um porvir que jamais se concretizou. Nela, os sonhos de uma cidade melhor vivem apenas na imaginação, como se nunca fosse possível realizá-los. Durante muito tempo, alguém acreditou que ainda havia esperança. Que a cidade ideal ainda poderia existir. Mas o tempo passou. E aquilo que
ontem parecia um futuro possível, hoje é apenas um desejo distante. Agora é tarde demais. A cidade perfeita não foi esquecida — ela simplesmente nunca saiu do sonho.” (Bernardo Mendes Peixoto, Maria Eliza Santana de Paiva Faria, Priscilla Cássia Morais da Costa e Rayssa da Silva Costa).

“Com inspiração em cidades árabes, a nossa obra faz uma releitura da cidade de Isaura, descrita no conto de Ítalo Calvino. Sob um imenso lago em tons de azul, canos se erguem e sustentam a cidade que cresce e se desenvolve em uma base rochosa. Os moinhos de vento são responsáveis por extraírem a água, mecanismo que garante a sobrevivência e vitalidade da cidade.” (Ana Vitória, Luiz Augusto, Renan Horsay e Thalles Forseca).

Cristina, Isabela Gomes, Luana Catarina, Maria Eduarda Bordoni)
“A proposta da escultura inspirada na cidade de Otávia, descrita por Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, busca representar a fragilidade e interdependência da vida urbana. Otávia é uma cidade suspensa sobre um abismo, conectada por fios e passarelas, onde cada elemento depende do outro para sua existência. a escultura utiliza telas de aranha como metáfora para a sustentabilidade suspensa e vulneráveis. A cidade e seus habitantes estão conectados entre si, e a escolha de posicionar a cidade entre duas montanhas, sobre um precipício, reforça a ideia de estabilidade ilusória e que a queda é uma possibilidade constante.” (Cecília Barbosa, Emily
Cristina, Isabela Gomes, Luana Catarina, Maria Eduarda Bordoni).

“A cidade Leônia é caracterizada pelo consumismo desenfreado, diariamente descartando sem necessidade, por ter como ideal de luxo o uso de objetos novos todos os dias, incessantemente. Dessa forma, cria-se um longo rastro de resíduos, descartes esses que se acumulam e formam uma “fortaleza de rebotalhos indestrutíveis” (p. 48) – rebotalho significa a sobra após escolher a melhor parte. O conceito da escultura baseia-se no consumismo e na quantidade de lixo produzida pela cidade. Tem-se uma cidade comum, descrita como bela e limpa, entretanto, existe uma imensa montanha de descarte, desperdício, que se acumula e fica “por debaixo dos panos” – motivo pelo qual o lixo está sob a cidade – completamente
ignorado por seus habitantes, uma cultura que não questiona para onde estão indo esses “rejeitos” desde que não estejam à vista e não interfiram na percepção aparente de limpeza.
(Ariele Mendes Dos Reis, Ellen Coelho Martins, Júlia Mariana Duarte Batista, Larissa Jacob Cardoso, Maria Eduarda Silva E Castro).

“A cidade de Eutrópia, descrita por Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, representa uma reflexão sobre a repetição e a ilusão de mudança na vida urbana. Seus habitantes seguem padrões cíclicos, mudando de lugar e função, mas sem alterar a essência de suas vidas. Essa não alteração dos valores essenciais nos permite conceber que Eutrópia passa ser um lugar ou “lugares” de acolhida para quem chega, permanece e se torna mais um a participar desse ciclo de mudanças rasas, mas cheia do essencial.” (Juliano Régis do Carmo).
- Liz Valente – arquiteta e urbanista, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo da Univiçosa. Ela também é multiartista sendo autora de peças de teatro, cantora, compositora e poeta.
Referências:
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.