Por Maressa Fonseca*
Estive recentemente em Petrópolis (RJ) durante uma viagem de férias. Visitei pontos turísticos, casarios ecléticos e prédios modernistas, mas o que mais me cativou foi a paisagem urbana permeada por rios e integrada às ruas e morros com florestas preservadas. Embora cicatrizes estejam presentes na memória dos moradores, não parecia que há menos de dois anos a cidade tinha sofrido com inundações e deslizamentos causados por chuvas intensas. Ao voltar para o hotel, o noticiário informava sobre mais uma enchente atingindo a capital do estado. Janeiro é um mês molhado por aqui. Desastres naturais já se tornaram eventos cíclicos no Brasil, garantindo aos jornalistas algumas pautas para o início do ano e reacendendo uma máxima no debate público: “É falta de planejamento”. Sabemos que não é bem assim.
Uma gestão urbana que prioriza o asfaltamento de ruas em detrimento a sistemas de drenagem urbana, por exemplo, está orientando seu planejamento de alguma forma. Uma cidade onde cursos d’água são canalizados e edifícios são construídos virando as costas para os rios têm uma concepção de água como elemento indesejado ao seu cotidiano. A maioria das pessoas que mora em cidades, hoje quase 60% da população mundial, só possui contato direto com água limpa por meio de encanamentos (quando possuem), e poucos são aqueles que podem mergulhar em um rio ou lagoa em um parque acessível. A cidade nos afastou das águas, mas elas insistem em reaparecer, muitas vezes de forma pouco amigável.
A cultura de planejamento urbano que invisibiliza os cursos d’água pode ter sido útil a determinado período histórico, mas estamos hoje diante de outros paradigmas. Mudanças climáticas associadas a eventos extremos batem à porta e é preciso repensar modelos de desenvolvimento, incluindo elementos naturais na orientação de políticas urbanas. Uma ferramenta que se apresenta como alternativa são as infraestruturas verdes e azuis (green and blue infrastructure – GBI) aplicadas às cidades. Ao contrário das infraestruturas cinzas, construídas utilizando materiais manufaturados como concreto, as infraestruturas verdes (vegetação) e azuis (água) propõem a integração do ambiente construído e dos habitats naturais por meio de redes ecossistêmicas que tornam eficientes as atividades urbanas.
Assim como não se pode compreender as águas como uma parte isolada de seu ciclo natural, não é possível resolver o problema de um rio apenas em uma cidade. É necessário um pensamento multidisciplinar e em múltiplas escalas, conectando cidades e regiões, possibilitando a participação social para o envolvimento de comunidades e culturas. De forma coordenada, o planejamento orientado para as infraestruturas verdes e azuis incentiva soluções individuais (jardins privados) ou comunitárias (agricultura urbana), implementadas por governos locais (parques municipais) ou nacionais (florestas urbanas, unidades de conservação), gerenciadas pelo Estado ou através de parcerias.
Existem diversas possibilidades, mas a busca por soluções para enfrentar as mudanças climáticas nas cidades exige uma mudança de paradigma, superando a concepção de que o desenvolvimento urbano deve vir apenas às custas da natureza. Pelo contrário, a sinergia entre ambiente construído e elementos naturais oferece oportunidades para transformar as cidades em locais que solucionam, e não apenas evidenciam, os problemas ambientais.
Fonte: Acervo pessoal, 2024
* Maressa Fonseca e Souza – arquiteta e urbanista, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo da Univiçosa. É pesquisadora com interesse em projetos e processos de habitação social e coletiva, infraestrutura verde e azul aplicada ao planejamento urbano, história da arquitetura e patrimônio natural e construído. Você pode encontrá-la em instagram.com/maressa.arq.
Referências:
ARCHDAILY Team. “Guia de infraestrutura verde e azul mostra como tornar as cidades sustentáveis” 04 Mar 2023. ArchDaily Brasil. Acesso em: 5 Abr 2024. <https://www.archdaily.com.br/br/996491/guia-de-infraestrutura-verde-e-azul-mostra-como-tornar-as-cidades-sustentaveis> ISSN 0719-8906
MORSCH, M. R. S.; MASCARÓ, J. J.; PANDOLFO, A.. Sustentabilidade urbana: recuperação dos rios como um dos princípios da infraestrutura verde. Ambiente Construído, v. 17, n. 4, p. 305–321, out. 2017.