Por Liz Valente
A palestra “Construir, Habitar, Pensar” proferida por Martin Heidegger, filósofo alemão, em 1951, durante um simpósio sobre a construção de habitações rurais é considerada uma das mais importantes contribuições de Heidegger à arquitetura. Nela, o filósofo traz à reflexão sobre o significado do habitar e traça seu argumento a partir das raízes etimológicas do termo “habitar”, que, no alemão, deriva diretamente do verbo “ser”.
Heidegger aborda a questão da habitação não apenas como um ato físico de construir, mas como uma atividade mais ampla e fundamental que envolve a relação entre o ser humano e o mundo. Ele destaca a importância da compreensão do significado do habitar e do construir como parte integrante da existência humana.
O conceito de “construir” vai além da ideia de erguer estruturas físicas. Heidegger argumenta que construir é um modo de revelar o mundo, de trazer à luz o que está oculto. O ato de construir não se limita apenas à arquitetura, mas se estende a todas as formas de atividade humana que moldam o mundo e cita o exemplo da escrita (cultivo de palavras) e da agricultura (cultivo de plantas).
Assim, “habitar” é mais do que simplesmente residir em um espaço. Heidegger destaca que habitar envolve uma relação profunda e significativa com o lugar, uma integração do homem com seu ambiente. Ele ressalta a importância de desenvolver uma conexão autêntica com o lugar em que vivemos, em vez de apenas ocupá-lo.
Estudantes do primeiro ano do curso de Arquitetura e Urbanismo na Univiçosa, também foram incentivados a transcender as noções convencionais do “habitar” ao desenvolver o tema por meio da confecção de uma cadeira. O exercício foi proposto dentro da disciplina de ARQ 104 – Composição Formal da Arquitetura, lecionada pela professora Liz Valente.
A confecção de um mobiliário, feito de materiais acessíveis e sem muitos recursos, deveria trazer, em seu processo, aspectos da vida humana, tendo em mente que os móveis são refléxos dos modos de vida. Como afirma Maurício Pulos:
“Os móveis espelham os homens. Só que eles não refletem nossa imagem diretamente, tal como as fotos, e sim pelo avesso, já que nada mais são do que a materialização da forma humana ausente. Moldados a partir do nosso corpo, esses utensílios não só oferecem um suporte físico às nossas ações, mas também expressam nossa forma de ver o mundo e o modo como queremos ser vistos pelos outros”. (PULS, 2017)
Neste exercício, os estudantes desenvolveram uma cadeira utilizando o bambu como matéria prima. A escolha do material se deu pela fartura do bambu na região, e pelo seu aspecto estrutural capaz de sustentar o peso de uma pessoa. Os resultados deste trabalho podem ser vistos nas fotos a seguir das cadeiras desenvolvidas pelos estudantes assim como fragmentos dos textos elaborados na defesa dos mobiliários. Nota-se uma riqueza de significados uma simples cadeira pode carregar, ultrapassando o seu uso primário de ser um suporte ao ato de sentar.
As cadeiras estão em exposição no hall de entrada do Espaço Travessia e servirão de acolhimento aos calouros que virão no início de 2024.
*Liz Valente – arquiteta e urbanista, professora no curso de Arquitetura e Urbanismo da Univiçosa. Ela também é multiartista sendo autora de peças de teatro, cantora, compositora e poeta.
Referências:
HEIDEGGER, Martin. “Construir, Habitar, Pensar.” Atas do Simpósio sobre Construção de Habitações Rurais, vol. 1, 1951, pp. 23-35.
PULS, Maurício, A beleza não tem estofo: Incorporados ao acervo do MoMA, móveis da Baraúna revelam os êxitos e os percalços do design. 2017. Disponível em <brasileirohttps://www.quatrocincoum.com.br/br/resenhas/design/a-beleza-nao-tem-estofo> acesso em 12 de dezembro de 2023.