Por: Ângela Barbosa Franco

Observem a tradução de alguns trechos:
Every breath you take / Cada suspiro que você dá
Every move you make / Cada movimento que você faz
Every bond you break / Cada vínculo que você rompe
Every step you take / Cada passo que você dá
I’ll be watching you / Eu estarei observando você
Every single day / Em cada santo dia
Every word you say / Cada palavra que você fala
Every game you play / Cada jogo que você brinca
Every night you stay / Cada noite que você fica
I’ll be watching you / Eu estarei observando você
Oh, can’t you see / Oh, você não pode ver
You belong to me / Você pertence a mim
Sob uma perspectiva diversa dos apaixonados, que curtem a canção como um hino de amor, ao serem envolvidos pela melodia suave, romântica e sedutora, a letra da música tem um viés intimidante. Dentro de um contexto do trabalho na era digital, serve como paradigma para nos levar a refletir o quanto a tecnologia é intrusiva e pode afetar a vida e o comportamento das pessoas, especialmente, os momentos de intimidade e de lazer. O eu-lírico, transportado para um contexto digital, assemelha-se a um algoritmo que observa cada ato realizado pela classe trabalhadora e, veladamente, invade sua vida íntima e privada, interferindo, inclusive, nos momentos que deveriam ser de desconexão com o trabalho. Essa é uma realidade vivenciada por muitos teletrabalhadores.
O teletrabalhador é aquele que presta serviços fora do espaço físico do empregador e depende de tecnologia de informação e comunicação para desempenhar seu serviço. Devido à suposta liberdade que o teletrabalhador tem, de desempenhar suas atividades no momento em que lhe convier, o ordenamento jurídico brasileiro retira-lhe o direito de ser beneficiário das regras relativas à duração do trabalho previstas na CLT. A lei trabalhista presume que a ausência de fiscalização presencial e direta permite que o trabalhador defina, ao seu alvedrio, os momentos de trabalho e não trabalho. Assim, equivocadamente, conjectura ser uma categoria profissional sem direito ao adicional de hora extra e ao adicional de hora noturna (FRANCO, 2017). Contudo, isso não representa, necessariamente, a realidade do mundo do trabalho digital. A tecnologia admite um controle preciso do empregador perante os trabalhadores, cada vez mais invasivo em suas vidas. A internet, por exemplo, deixa vestígios de quem a acessou, quando, o que foi executado e por quanto tempo. Também viabiliza a coleta de informações dos hábitos, das predileções e do cotidiano das pessoas (MOREIRA, 2013). Vis-à-vis à era digital, ainda que os trabalhadores tenham horários maleáveis, pois podem se conectar ao trabalho a qualquer momento, não se deve simplesmente presumir, nem relativamente, a ausência de controle da jornada. Como a maioria dos teletrabalhadores ganham salário por tarefa, a utilização dos meios telemáticos de comunicação e informação é capaz, não apenas de mensurar o tempo à disposição do empregador, mas de efetivamente induzir o trabalhador para que fique o maior número possível de horas à disposição para o trabalho.
No trabalho para plataformas digitais, o ranqueamento fornecido pelos usuários do serviço é de extrema relevância para os empreendimentos virtuais controlarem a qualidade do trabalho executado. Torna-se um poderoso sistema de supervisão que, em muitos aspectos, pode ser mais ofensivo que um controle direto ou presencial. Isso obriga os prestadores de serviços a respeitar os padrões impostos pela plataforma o que desvela uma subordinação contínua, apesar de muitos estarem formalizados, erroneamente, como trabalhadores autônomos.
Existem plataformas que apenas anunciam os serviços de operadores autônomos e não interferem nas relações de trabalho que promovem entre quem quer um serviço e quem o executa. Entretanto, várias, notadamente as plataformas de transporte e entrega, controlam e disciplinam o trabalho, por intermédio da avaliação dos clientes ou dos algoritmos. Inclusive intervêm estabelecendo preços, tempo, forma de execução dos serviços e de sanções por descumprimento, por deterem, com precisão, todas as informações da dinâmica laboral.
Every breath you take , “cada suspiro que você dá”; Every move you make, “ cada movimento que você faz”; I’ll be watching you, “eu estarei observando você” são expressões análogas ao comportamento fiscalizador e controle das plataformas digitais sobre os trabalhadores que a elas se vinculam. Essa prerrogativa, centrada nas mãos de quem controla os empreendimentos digitais, pode desvelar não apenas autênticas relações de emprego, muitas vezes camufladas em contratos de prestação de serviços autônomos, bem como uma jornada de trabalho que é fiscalizada e, portanto, ensejadora do direito ao adicional de horas extras, ao adicional de horas noturnas e demais direitos sociais que não podem ser usurpados pelo simples fato da utilização do teletrabalho.
Referências:
EVERY breath you take. Compositor e intérprete: Sting. In: SYNCHRONICITY. [S.L.]: A&M Records, 1983. 1 CD, faixa 7.
FRANCO, Ângela Barbosa. A intrusão telemática do poder empregatício no teletrabalho. In: PIMENTA, Raquel Betty de
Castro; MONTEIRO, Thiago Loures Machado Moura; MATINA, Pabliani Cristina Santos Gontijo (Coord.). As
transformações do direito do trabalho e do processo do trabalho pelas tecnologias. I Congresso de Tecnologias Aplicadas
ao Direito. Belo Horizonte: Recaj, 2017.
MOREIRA, Teresa Alexandra Coelho. Every breath you take, every move you make: cybersurveillance in the workplace
and the worker’s privacy. Masaryk University Journal of Law and Technology, volume 7, n.º 1, p. 75-85, 2013.