Em 1944, aos 24 anos, o Primo Levi, um judeu italiano com formação superior em Química, foi enviado, juntamente com outros 650 judeus italianos, ao campo de extermínio de Auschwitz. Dentre os homens, mulheres e crianças, apenas três sobreviveram e deixaram aquela realidade desastrosa em 1945. Primo Levi foi um deles.
Já no ano de 1947 publicou “É isto um homem?” a partir da necessidade de revelar sua vivência dentro do campo de concentração e de transportar os leitores para o que lá passou. O livro é um tratado sensorial sobre o Holocausto e um estudo profundo da alma humana em condições das mais degradantes e desumanas.
O livro começa com um contundente poema (sim, Levi também era um poeta!), no qual é feita uma comparação entre dois modos de viver: o das pessoas livres e o das cativas. Essa dicotomia permeia todo o livro e permite inúmeras discussões filosóficas sobre a relativização da ética e da moral (bem x mal; certo x errado) em situações e circunstâncias extremas de fome, frio, cansaço, dor e opressão.
O livro não é, nem de longe, um manifesto de ódio aos alemães e ao nazismo, muito menos um relato heroico de um sobrevivente. É muito mais tocante, muito mais intenso, muito mais humano! Por isso, em muitas passagens, é preciso parar e tomar fôlego, para em seguida retomar a leitura e se transportar novamente para outro tempo, outro espaço e confrontar os fantasmas que, para todo o sempre, vão assombrar a história da humanidade.
Não se trata de descrever o horror pelo horror. Primo Levi desnuda, magistralmente, o mecanismo de desumanização dos judeus levado a efeito pelo Reich e que tornou possível o Holocausto. Foi-lhes imposto um deslocamento forçado de suas terras e de suas casas, retiraram-lhe seus bens e objetos pessoais (até os sapatos!), substituíram-lhes os nomes por números, cortaram seus cabelos, negaram seu direito à fala (se falassem, não eram ouvidos; se ouvidos não eram compreendidos), transformaram-lhes em haftlinge (prisioneiros, em alemão).
Assim, totalmente desprovidos de racionalidade e compreensão e esvaziados de qualquer esperança, seguiam, dia após dia, noite após noite, esses invólucros de homens (daí a pergunta que dá o título ao livro) para as fábricas e campos de trabalho forçados ou para as câmaras de gás, para morrerem “mortes anônimas”.
Assim, a sobrevivência não se limitava ao corpo… Era preciso manter viva a personalidade, a alma, o espírito e tudo o mais que lhes rememorava a consciência de que ainda eram humanos, apesar de tudo, apesar de todos.
Este livro já entrou na lista dos meus favoritos. Duas outras obras de Primo Levi, falecido em 1987, e que também tratam da vivência da Guerra na própria pele, em breve serão lidas: “Sobreviventes e Afogados” e “A trégua”. Primo Levi foi um destes seres humanos diferenciados e “É isto um homem?”, um livro essencial e sempre atual, para que nunca nos esqueçamos que o Direito muitas vezes é utilizado para o cometimento das mais diversas atrocidades!!!
Importante também a leitura de “O fascismo eterno de Umberto Eco”. O livro é a transcrição de uma conferência que ele proferiu em inglês, na Universidade de Columbia, em abril de 1995, logo após os atentados ocorridos em Oklahoma. Ele identifica e enumera quatorze características daquilo que ele denomina de “Ur Fascismo” ou “Fascismo Eterno” e demonstra que a nuvem totalitária está sempre a pairar sobre nós e a qualquer momento pode chover e nos inundar, a exemplo do que já ocorreu no passado.
Por: Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel
BIBLIOGRAFIA:
Eco, Umberto. O Fascismo Eterno. Rio de Janeiro: Record, 2018.
Levi, Primo. É isto um homem? São Paulo: Rocco, 2013.
_________. A trégua. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
_________. Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades. São Paulo: Paz e Terra, 2016.