A série de vídeos do Projeto visa proporcionar debates instigantes sobre Direito Contemporâneo por meio da reflexão de livros e filmes.
“Eu, Daniel Blake”, filme dirigido por Ken Loach e Laura Obiols, e escrito por Paul Laverty, estreou na edição de 2016 do Festival Cannes, de onde saiu com a Palma de Ouro, o prêmio máximo da mostra. Desde então, ele tem sido apontado como um dos filmes mais representativos de nosso tempo. Sua história se passa na cidade de Newcastle, na Inglaterra, sua trama, no entanto, se aproxima muito da situação do Brasil atual e de diversos outros países que optaram por caminhos semelhantes ao nosso.
A narrativa acompanha o personagem cujo nome dá título à obra, ele é um carpinteiro de 59 anos que, após sofrer um ataque cardíaco, se vê impedido de continuar trabalhando e precisa recorrer ao sistema de seguridade social para sobreviver. Sua jornada para ter acesso a um benefício similar ao nosso seguro desemprego o prende em uma complexa teia burocrática, que envolve instituições públicas, peritos, assistentes sociais e recursos tecnológicos que ele não domina.
Os percalços do personagem diante de um sistema ao qual ele tem pouco ou nenhum acesso apontam para um problema mais amplo, que tem sido visto como uma tendência no mundo contemporâneo: o arrefecimento do modelo de Estado que propiciou o surgimento dos direitos sociais; fenômeno que pode ser notado no conjunto de reformas legislativas em áreas como previdência e trabalho, que foram aprovadas, ou ao menos postas em votação, no Brasil e em outros países, como França, Espanha, Portugal, Itália e Inglaterra.
A busca por maior eficiência administrativa e por menor intervenção do Estado na economia tem propiciado o retorno de modelos de governo menos preocupados em criar tais redes de proteção e isso tem produzido reflexos sociais negativos, como o retratado no filme. Na história contada é possível perceber o quanto o próprio sistema dificulta o acesso dos que precisam a aquilo que ele pode oferecer, e isso, na narrativa, não se dá por acaso, ou por mera consequência de uma má administração. É como se o sistema fosse pensado para ser daquela forma.
O jurista Guilherme Pêna de Moraes (2010) define direitos sociais como “direitos fundamentais próprios do homem social”, de acordo com ele, eles “dizem respeito a um complexo de relações sociais, econômicas ou culturais que o indivíduo desenvolve para realização da vida em todas as suas potencialidades, sem as quais o seu titular não poderia alcançar e fruir dos bens de que necessita”. Pode-se afirmar que o drama do protagonista no filme reside no fato de que, de uma hora para outra, ele se vê apartado de tais bens.
Dentre os direitos sociais está o agrupamento dos direitos à seguridade social, que compreende o direito à saúde, o direito à previdência social e o direito à assistência social. A efetivação destes direitos depende das chamadas “prestações positivas do Estado”, que, neste caso, nada mais é do que ações de intervenção e de proteção destinadas a socorrer aqueles que não têm acesso por conta própria a estes bens. Em um modelo de Estado em que inexistem mecanismos de provimento destes direitos, passa a ter acesso a eles apenas quem tem condições de pagar, o que acaba por criar um grande contingente de desassistidos.
Daniel Blake, enquanto perdura sua jornada pela concessão do benefício, faz parte deste contingente de desassistidos e sua situação não nos é estranha. A burocracia, as idas e vindas, as dificuldades com o manuseio de uma tecnologia não familiar, tudo isso tem sido visto nos noticiários brasileiros nas últimas semanas. O drama do personagem é similar ao de milhões de pessoas que, em meio à pandemia de covid-19, se viram obrigadas a sair de suas casas e i para filas de agências bancárias para receber o Benefício Emergencial, sem a certeza de que seriam atendidas.
Por: estudante José Bruno.
Referências Bibliográficas:
MORAES, Guilherme Pêna de. Curso de Direito Constitucional. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2010.
EU, DANIEL BLAKE. Direção: Ken Loach e Laura Obiols. Produção de BBC Films. Reino Unido; França e Bélgica: Imovision, 2017. 1 DVD.