Em 18 de maio, é comemorado o Dia Nacional da Luta Antimanocomial. O que conhecemos hoje como reforma psiquiátrica, teve início na década de 1970 a partir de Movimentos Sociais, como o Movimento Sanitário e a Declaração de Alma-Ata e deu início a uma série de questionamentos sobre como os pacientes eram tratados nas instituições manicomiais.
O processo de exposição dos problemas nas instituições foi marcado por participação popular e contou com a mobilização de diversos setores sociais, incluindo os pacientes, familiares e trabalhadores em Saúde Mental. Eles denunciaram, especialmente, as condições de trabalho e a mercantilização da loucura como, por exemplo, a venda de corpos saídos dos hospícios para as universidades. Naquele momento havia uma espécie de higienização social. As instituições estavam orientadas a retirar aqueles considerados “alienados” do convívio coletivo. Se antes os hospitais tinham um caráter de abrigar marginalizados e desajustados (pobres, loucos, mendigos), com o marco da Revolução Francesa, a medicalização, também passou a fazer parte desses espaços e teve o médico psiquiatra como figura principal.
Hospital Colônia, o “Holocausto Brasleiro”
Um exemplo marcante dessa situação foi o Hospital Colônia, que funcionou na cidade de Barbacena ao longo do século XX. As internações eram feitas a partir de diagnósticos duvidosos e às vezes sem critérios médicos. O número de pessoas internadas era altíssimo: uma internação a cada duas consultas e meia.
A quantidade de pacientes também era absurda, chegando a registrar 5 mil pacientes em uma estrutura adequada para 200 e um psiquiatra para cada 400 doentes. Tal desumanização, também aparecia nas péssimas condições a que estavam submetidos os internos e aos tratamentos com finalidade de contenção e intimidação. O psiquiatra italiano Franco Basaglia, importante nome na luta contra essa lógica desumana, visitou o Colônia em 1979 e afirmou: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei uma tragédia como esta”.
Basaglia teve grande influência no processo de reforma psiquiátrica brasileiro, baseado na sua experiência na Itália, onde inaugurou uma rede de atendimento substitutiva. Nesse modelo italiano, os pacientes podiam entrar e sair quando quisessem, a família fazia parte do processo do cuidar e as relações entre os profissionais de saúde mental e os usuários eram horizontais. A experiência italiana serviu de exemplo para o que foi implementado aqui no Brasil anos depois.
A reforma psiquiátrica no Brasil
Nesse processo, incluímos também a Constituição de 1988 e a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que reformularam a maneira de se olhar para as pessoas socialmente vulneráveis por meio de uma democratização dos cuidados em geral. Essa crítica à internação sistemática das pessoas feita ao longo do processo reformista estava pautada nas ideias de humanização e acolhimento. O movimento de reforma psiquiátrica era contra o controle sanitário no tratamento das pessoas em sofrimento mental e a total exclusão desse público. Mais do que a desospitalização, buscava-se a desinstitucionalização enquanto ruptura de padrões, da visão que a sociedade tinha em relação à loucura.
A partir dos movimentos de reforma, buscou-se a implementação de uma rede extra-hospitalar que substituísse gradualmente os leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. Iniciativas regionais de destaque que, aos poucos, passaram a compor a política pública, como ocorreu com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
A Lei 10.213/2001, conhecida como Lei Paulo Delgado, representou um significativo avanço para a reforma, pois direcionou o foco da assistência em saúde mental a serviços de base comunitária, além de tratar dos direitos das pessoas com transtornos mentais. Houve, por exemplo, a regulamentação dos CAPS, a criação dos Serviços de Residências Terapêuticas e da política de redução de danos sobre álcool e outras drogas, paralelamente à fiscalização dos leitos psiquiátricos e construção dessa rede.
Onde estamos e para onde vamos?
Mas você deve estar se perguntando: isso significa que já chegamos onde queríamos? E a resposta é: ainda não. Como afirma o psiquiatra Paulo Amarante, a reforma precisa ser compreendida como um processo social complexo. Isso significa que o movimento reformista vai além de uma mudança restrita ao campo da saúde, pois articula transformações mais amplas de natureza política, social e cultural em relação ao lugar ocupado pela loucura na nossa sociedade.
Por se tratar de um processo contínuo, do qual participam diversos atores na disputa de narrativas, o movimento em prol da saúde mental avança de forma contínua. Nos últimos anos, vivenciamos retrocessos, como o aumento de verbas destinadas à compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia, a ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais e o congelamento dos investimentos na rede substitutiva implementada após a reforma psiquiátrica. Essas iniciativas foram efetivadas sem a participação dos usuários e profissionais de saúde mental e foram fortemente criticadas pelo Conselho Federal de Psicologia.
Desse modo, a data de 18 de maio é um lembrete para que não apenas os profissionais de saúde mental, mas toda a sociedade celebre, reconheça os avanços no campo e, principalmente, nutra-se de forças para seguir, firme, na luta antimanicomial.
Texto: psicólogo e professor Leandro Bicalho.